
O Estádio do Maracanã, um dos maiores símbolos do futebol mundial, enfrenta um problema histórico e crescente: as enchentes constantes causadas por chuvas intensas e falhas estruturais. Mas a origem desse fenômeno vai além da chuva. Ela envolve a geografia, o urbanismo desordenado e as mudanças climáticas que transformam a cidade do Rio de Janeiro em um território vulnerável.
Um Estádio Sobre Mangue: O Erro Original

Desde sua construção, o Maracanã carrega um problema estrutural: ele foi edificado sobre áreas de manguezal, que antes atuavam como esponjas naturais no controle do nível da água. Com o avanço da urbanização e a canalização dos rios Maracanã e Joana, a região perdeu essa proteção ecológica.
A impermeabilização do solo com concreto, asfaltos e construções acelerou o escoamento superficial, sobrecarregando o sistema de drenagem. Além disso, reformas como o rebaixamento do gramado em 2007 agravaram o cenário: hoje, o campo fica abaixo do nível da rua e da maré, dificultando o escoamento por gravidade.
Maré Alta e Chuvas Intensificadas

O Maracanã está a menos de 5 km da Baía de Guanabara. Quando a maré sobe, a água da chuva encontra resistência para escoar pelos canais, retornando e gerando enchentes. Isso é agravado pelo aumento da frequência e intensidade das chuvas devido às mudanças climáticas.
O fenômeno do “efeito de remanso” — quando a água volta pelos canais — transforma o estádio e sua região em uma bacia natural de acúmulo de água, especialmente em dias de tempestade.
Rio de Janeiro: Um Território Frágil
O problema do Maracanã reflete um quadro mais amplo. A cidade do Rio de Janeiro convive com alagamentos frequentes, resultado da elevação do nível do mar, da canalização dos rios e da urbanização descontrolada.
Estudos mostram que o mar sobe de 2 a 4 mm ao ano na Baía de Guanabara. Isso, somado à destruição de manguezais e à perda de áreas permeáveis, reduz drasticamente a capacidade de escoamento da cidade, agravando os eventos extremos.
Grande Tijuca: Décadas de Alagamentos
Desde 1966, enchentes paralisam a Grande Tijuca e o entorno do Maracanã. Em eventos recentes como os de 2020 e 2023, chuvas intensas voltaram a interditar avenidas e afetar o transporte.
Mesmo com obras como o piscinão da Praça da Bandeira, o volume das chuvas supera a capacidade dos sistemas. O lixo nas ruas e a falta de manutenção completam o quadro de vulnerabilidade.
Eventos Esportivos Prejudicados
As inundações impactam diretamente o funcionamento do estádio. Diversos jogos já foram cancelados ou adiados, mesmo após a modernização do sistema de drenagem. Partidas internacionais e clássicos nacionais sofreram com gramados encharcados e acessos intransitáveis, afetando a imagem do Rio globalmente.
Maracanã x Engenhão: Duas Realidades
Enquanto o Maracanã foi construído em baixada, o Engenhão (Estádio Nilton Santos) fica em uma área mais elevada e menos sujeita a alagamentos. O projeto do Engenhão considerou melhor o escoamento pluvial, o que mostra que o planejamento adequado faz diferença.
Soluções e Limitações – Maracanã
A prefeitura do Rio vem adotando soluções técnicas como:
- Piscinões subterrâneos;
- Túneis pluviais;
- Desvios dos rios Maracanã e Joana.
No entanto, essas obras enfrentam altos custos, impacto urbanístico e exigem manutenção constante. Sem limpeza, fiscalização e integração com outras políticas, elas perdem eficiência com o tempo.
Sistema Alerta Rio e Cooperação Internacional
A cidade conta com o Sistema Alerta Rio, que prevê temporais e envia alertas em tempo real. Além disso, colaborações com o Banco Mundial e cidades como Amsterdã e Nova York buscam incorporar boas práticas internacionais.
Entretanto, a tecnologia precisa do apoio da população e de infraestrutura complementar, como rotas de evacuação, sinalização e educação ambiental.
Natureza como Aliada: Soluções Baseadas em Ecossistemas

A restauração de manguezais, a recuperação de encostas e a criação de parques alagáveis representam soluções sustentáveis de longo prazo. Além de reduzir alagamentos, essas práticas restauram o equilíbrio ecológico e melhoram a qualidade de vida urbana.
Contudo, o avanço urbano, a especulação imobiliária e a descontinuidade política dificultam a implementação em escala.
O Futuro do Maracanã e da Cidade
Preservar o Maracanã, portanto, exige mais do que bombas e concreto. Trata-se, sobretudo, de proteger a saúde pública, a economia e a cultura. Afinal, as enchentes comprometem o acesso, o funcionamento e o valor simbólico do estádio, além disso, afetam diretamente o turismo, os eventos e o cotidiano de milhares de cariocas.
Saúde e Economia
As águas contaminadas representam riscos sanitários graves. A cada alagamento, aumentam os casos de doenças como leptospirose. Ao mesmo tempo, os prejuízos econômicos se acumulam com cancelamentos de jogos, perdas comerciais e danos à infraestrutura.
Planejamento Integrado e Resiliência
A cidade precisa de resiliência urbana, com ações que envolvam meio ambiente, transporte, habitação e esporte. O Maracanã deve ser reintegrado ao planejamento urbano, com foco em prevenção, adaptação climática e participação social.
Cultura e Sustentabilidade

O estádio representa a identidade brasileira. Portanto, manter o Maracanã de pé, funcional e seguro é também preservar a memória do país. Para que isso ocorra, é preciso unir tradição e inovação, por meio de investimentos em práticas sustentáveis, como o uso racional da água, da energia e a recuperação ambiental do entorno.
Afinal, o Maracanã é muito mais do que um campo de futebol — ele funciona como o termômetro de uma cidade em conflito com seu próprio território. As inundações que o atingem não decorrem por acaso, mas representam as consequências acumuladas de décadas de escolhas urbanas equivocadas. Dessa forma, pensar no futuro do Maracanã é, na verdade, refletir sobre o futuro do Rio de Janeiro como uma metrópole sustentável, saudável e resiliente.
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